• estudo realizado por:

    Franciléia Paula de Costa

  • Franciléia Paula de Costa

Diagnóstico

Agricultura familiar Quilombola em territórios Quilombola nos biomas Cerrado e Caatinga.

Diagnóstico sobre agricultura familiar Quilombola em territórios Quilombolas nos biomas Cerrado e Caatinga: Maranhão, Minas Gerais, Mato Grosso do Sul, Alagoas, Ceará, Piauí e Sergipe.

1.Descrição Metodológica

Etapa 1

Consiste em levantamento prévio de informações referentes à AFQ em amplitude estadual, pesquisas documentais iniciais e diálogos com lideranças da CONAQ e do movimento quilombola na região/estado. Foram realizadas sete reuniões virtuais para subsídios iniciais sobre o contexto dos territórios quilombolas, abordando os temas relacionados a seguir.

Reuniões estaduais com lideranças da CONAQ e movimento quilombola nos estados:

  • Principais características produtivas da agricultura quilombola no estado: arranjos produtivos, contribuição para a segurança alimentar e nutricional das famílias, principais canais de comercialização e dificuldades encontradas.
  • Políticas públicas existentes voltadas ao apoio à agricultura nas comunidades quilombolas.
  • Organizações parceiras e que desenvolvem alguma ação de apoio à AFQ no estado (sociais e governamentais).
  • Como a AFQ está organizada na região, estruturas e formas de manejo dos agroecossistemas.
  • A promoção da agroecologia nas comunidades.
  • Indicação de comunidades para diagnóstico para segunda fase do diagnóstico – anexo 2.

Etapa 2

Consiste no detalhamento do diagnóstico nas comunidades selecionadas na etapa I, com entrevistas e diálogos com 50 comunidades quilombolas nos sete estados, com levantamento de informações em contexto local da Agricultura Familiar Quilombola.

Informações por estado

1. Alagoas

Bioma: Caatinga

Participantes da reunião: Manoel Oliveira e Valdirene Silva, Berenita.

O estado tem 70 comunidades quilombolas, destas, de 40% a 60% desenvolvem atividades ligadas à agricultura, todas localizadas na área rural do estado.

1.1 Caracterização da Agricultura Familiar Quilombola

As comunidades quilombolas do estado de Alagoas em sua maioria cultivam alimentos para o consumo alimentar das famílias, como por exemplo, a produção da farinha de forma artesanal. Desenvolvem a criação de pequenos animais, como galinhas, porcos e cabras. Estima-se que 70% das comunidades produzem o necessário para o abastecimento alimentar.

Os agricultores(as) destacam a redução das chuvas, as mudanças climáticas e o aumento do desmatamento como desafios para a manutenção das atividades agrícolas nas comunidades quilombolas. A escassez de água interfere nos cultivos e afeta diretamente a manutenção de espécies alimentares.

Como consequência disso observa-se uma seleção pelos agricultores(as) de variedades mais resistentes à seca, o que tem provocado o desparecimento de espécies alimentares como o arroz crioulo, algodão, amendoim, melancia, abóbora, maxixe e quiabo. A criação animal diminuiu devido à dificuldade no acesso à água.

O acesso à terra para agricultura está diretamente relacionado com a regularização dos territórios quilombolas. Com a pressão latifundiária na região, que faz com que as comunidades estejam em territórios estrangulados e tenham poucas áreas para a agricultura, resta a estratégia de plantio de pequenas áreas, como quintais, ou arrendamento de terras fora dos quilombos.

Outro desafio para a manutenção da agricultura é a mão de obra nas comunidades, já que as atividades são realizadas pela família, porém, há um êxodo principalmente de jovens para as cidades, comprometendo a continuidade das atividades de agricultura.

Um dos entraves para a comercialização das famílias se encontra nas etapas de escoamento da produção das comunidades até os centros urbanos, feiras e supermercados. Muitas comunidades não possuem veículos próprios para escoamento da produção, ficando vulnerável às ações de atravessadores, que normalmente pagam um preço muito baixo pela produção.

Em relação aos processos de organização, a coordenação quilombola do estado está formalizada com CNPJ e sempre tem buscado projetos e ações nas comunidades, porém apenas algumas têm associação regularizada.

O procedimento de organização dos grupos da Agricultura Familiar Quilombola ainda tem sido difícil e burocrático. Faltam informações e apoio técnico para registro das associações em cartórios, advogados e contratação de contadores.

A CONAQ estadual iniciou um processo de formação e acompanhamento para a organização social nas comunidades, mas está paralisado devido ao contexto da pandemia.

1.2. Políticas públicas

Até o momento não existem políticas públicas específicas para a agricultura quilombola no estado. O que se observa são ações fragmentadas e pontuais em alguns municípios, via secretarias municipais de agricultura com apoio dos Sindicatos dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais (STTRs).

Entre essas ações destacam-se as doações de sementes (milho e feijão) pelo governo estadual. Ação que também só foi possível devido à articulação do movimento quilombola no Instituto de Terras e Reforma Agrária de Alagoas (Iteral) e na Secretaria de Agricultura do governo do estado nos anos de 2010 a 2013, que atendeu algumas comunidades.

Um dos fatores que limitou a aquisição dessas sementes pelas comunidades quilombolas foi o cadastro. O programa tinha critério de cadastros exigidos para agricultores(as) familiares de forma ampla, e em muitos casos vinculava a aquisição a uma organização juridicamente constituída.

Quando o governo estadual repassa a competência de execução dessas ações para os municípios há problemas na operacionalização. No caso da distribuição de sementes nas comunidades quilombolas, muitas famílias relataram descontinuidade no plantio devido aos atrasos das entregas das sementes, chegando às comunidades fora do calendário agrícola e das chuvas.

Porém, há especificidades em municípios que operacionalizam o programa de doações de sementes e fazem estas chegarem até as comunidades. Tem quilombo com 50 famílias que conseguiu plantar até 1.020 kg de sementes por ano.

Além das sementes, algumas secretarias municipais têm apoiado de forma pontual, com disponibilidade de tratores para preparo da terra, mas na maioria dos casos é feito com o tradicional arado de tração animal.

Outra dificuldade está nos cadastros de acesso a editais e programas de compra da agricultura familiar, já que são realizados em sistemas on-line, não considerando que muitos quilombos não têm acesso à internet, ou as informações necessárias no tempo hábil exigido pelos órgãos governamentais.

Alguns grupos de mulheres manifestam interesse de acessar o mercado institucional através do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE). Porém, poucas famílias conseguem acessar a Declaração de Aptidão ao Pronaf (DAP), documento exigido para cadastro das famílias como fornecedoras do programa e também ao Programa de Aquisição de Alimentos (PAA).

Falta apoio e orientação para conseguir a documentação exigida e, com a pandemia, as dificuldades aumentaram. As famílias que conseguiram acessar a DAP foram as beneficiadas com a construção das casas via Programa Nacional de Habitação Rural (PNHR). E apenas uma comunidade das 70 no estado possui a titularização da terra, a comunidade Tabacaria, em Palmeiras dos Índios.

O Incra não tem assumido a emissão de DAPS para as famílias quilombolas, então elas têm buscado apoio na Emater. Alguns STTRs também emitem DAPS, porém apenas para as famílias associadas.

O movimento quilombola considera estratégico a participação em espaços de controle social para incidir no âmbito institucional. Conseguiram em anos anteriores ações voltadas a atender demandas das mulheres quilombolas em 22 comunidades, mas aconteceu uma descontinuidade nos últimos anos com a mudança dos gestores governamentais.

1.3. Assistência técnica

As comunidades não recebem assistência técnica específica, seja do governo ou de instituições privadas. Algumas que estão associadas aos STTRs nos municípios conseguem apoio técnico, mas de maneira pontual, e na maioria das vezes não contemplam os contextos da agricultura quilombola.

1.4. Biodiversidade e manejo dos agroecossistemas

O tamanho das roças varia e os cultivos são diversos. Não são todas as comunidades que têm terras para agricultura, quem não tem acaba se tornando meeiros, arrendando áreas próximas. Muitas dessas áreas de plantio estão fora do quilombo, e o resultado do que se planta é dividido com quem é dono da terra.

A maioria dos agricultores(as) não utilizam agrotóxicos nas áreas de plantio, pela prioridade na manutenção de práticas tradicionais e naturais de agricultura que vêm sendo passadas de geração a geração.

expressivo o uso da enxada, foice, arado de cavalo e boi. Mesmo que em muitos casos a reprodução dessas práticas agrícolas seja vista como atrasada e o uso de mecanização seja considerado um luxo

1.5. Organizações parceiras

STTRs nos municípios, Movimento Sem Terra (MST), Frente Nacional de Lutas (FNL), grupos indígenas (Tingui-Botó), Movimento Negro estadual, Centro de Cultura e Estudos Étnicos Anajô. É possível ainda estabelecer diálogos com a Secretaria Estadual de Agricultura, Secretaria Estadual de Meio ambiente e o Iteral.

1.6. Recomendações preliminares

Ações e projetos que garantam acesso à água, recuperação de nascentes e captação alternativa voltada para abastecimento das áreas de produção e criação animal. Enriquecimento de quintais produtivos e projetos que considerem pequenos espaços devido à pouca disponibilidade para terras de agricultura.

Produção de insumos próprios, como ração alternativa para criação de pequenos animais, e resgate e plantio de sementes crioulas ou tradicionais do local, para romper dependência externa ou ficar refém a todo ciclo da compra das sementes.

Investir nos grupos de mulheres que estão buscando o acesso aos programas institucionais como PAA e PNAE, apoio ao acesso à documentação exigida.

Incentivar a participação da juventude em projetos e ações para fortalecer a atuação dos jovens nos processos de organização e produtivo nas comunidades.

2. Ceará

Bioma: Caatinga

Participantes: Clemildo Souza, Cristina e Aurila Souza.

O movimento quilombola estima que existam de 85 a 100 comunidades quilombolas no Ceará, porém, apenas 54 comunidades estão certificadas pela Fundação Palmares.

2.1. Caracterização da Agricultura Familiar Quilombola

O sertão do estado do Ceará tem forte expressão do cultivo de feijão, inhame, milho e mandioca para alimentação.

Da mandioca são produzidos as farinhas, tapioca e goma, que são comercializadas e são importantes fontes de renda para os quilombos. A maioria das unidades de processamento são artesanais.

realizada a criação de pequenos animais, como galinhas, para produção de carnes e ovos para consumo, além de porcos e muitos caprinos: cabras em sua maioria e algumas ovelhas. A criação de gado é pouco expressiva, com predomínio da produção leiteira, e em alguns lugares há criação de abelhas nativas para extração do mel, principalmente para o consumo.

Recentemente os órgãos de agricultura do estado iniciaram um trabalho em algumas comunidades para a inovação dos sistemas de produção agrícola da agricultura familiar, com a criação de abelhas sem ferrão voltadas à comercialização de mel, e a criação de tilápia pelo chamado “sisteminha Embrapa: produção sustentável e integrada de alimentos”. Isso vem sendo implementado em algumas comunidades rurais para a criação de aves nos quintais associada à criação de peixes em pequenos tanques d’água, considerando o tamanho das áreas disponíveis para plantio e criação de animais.

Existem comunidades quilombolas com maior disponibilidade e acesso à água que têm investido na produção de hortaliças, com plantios de cebolinha, tomate e coentro, entre outros.

Há sobretudo no Ceará um grande potencial frutífero, com cultivos de manga, caju, laranja e jacá. O caju é uma das frutas com boa produtividade na região, cultivado em algumas comunidades quilombolas, que têm de minifábricas de castanhas-de-caju. Porém, as famílias consideram que o caju poderia ser melhor aproveitado, para além da castanha, já que existe uma demanda grande em Fortaleza.

Na região litoral, o coco tem potencial de renda para as famílias, mas a comercialização fica concentrada na mão de atravessadores, grandes proprietários e empresas.

No Cariri, algumas comunidades quilombolas realizam o extrativismo do pequi para extração de óleo.

O pescado tem papel fundamental nas comunidades quilombolas litorâneas, os peixes, ostras e caranguejos são fonte de alimentos e renda para as famílias. Os manguezais são importantes para as comunidades quilombolas, entretanto, vêm sofrendo com a contaminação pelas empresas instaladas nessas regiões.

O artesanato é uma fonte de renda importante nas comunidades e está relacionado com o manejo da biodiversidade local. Algumas comunidades quilombolas fazem o aproveitamento da folha do coqueiro, da palha da carnaúba e produzem bolsas e chapéus, outras fazem o beneficiamento do fruto e produzem a farinha, produto que tem demanda muito grande pela indústria de cosméticos. Normalmente se utiliza a mão de obra quilombola, mas são comercializados por atravessadores, que repassam a grandes proprietários que exportam o produto já beneficiado.

A região de Serra produz muita banana, o café vem diminuindo, junto com a produção da rapadura, em declínio nas comunidades, assim como o plantio do algodão e a extração do óleo de coco de babaçu, cultivos que vêm desaparecendo devido à pressão fundiária e perda das terras.

A indisponibilidade de terras e a água para agricultura é um dos principais problemas detectados. Há relatos de que são instaladas cercas por grandes proprietários, que limitam o acesso às fontes de águas pelos quilombos.

A insegurança alimentar cresceu muito nos últimos anos com as perdas de direitos e cortes em programas sociais como o Bolsa família. No período da seca a produção de alimentos fica abaixo de 50%.

O êxodo rural e o racismo institucional enfrentado dentro dos órgãos públicos têm dificultado muito o desenvolvimento da agricultura Quilombola no Ceará

2.2. Políticas públicas

Não existem políticas públicas que sejam direcionadas para a agricultura quilombola, apenas ações fragmentadas e pontuais. Haja vista que o movimento quilombola vem exigindo na Secretaria de Desenvolvimento Agrário do Ceará, nos últimos anos, pautas relacionadas à Assistência Técnica (ATER) Quilombola e a regularização dos territórios.

Recentemente foi aprovado na Assembleia Legislativa do Ceará a lei Wilson Brandão, que transforma o programa de regularização fundiária do Ceará em uma política pública. De acordo com o projeto, a Política Estadual de Regularização Fundiária Rural observará princípios e diretrizes como a cooperação e coparticipação entre governo do Ceará, União federal e os municípios; o desenvolvimento rural sustentável e solidário, além da valorização e proteção da agricultura familiar. Porém é um processo que acontece sem diálogo com o movimento quilombola.

No âmbito dos municípios, o apoio governamental às comunidades quilombolas tem apresentado nos últimos anos uma descontinuidade de ações, antes estava mais concentrado nas realizações das feiras livres, agroecológicas e da agricultura familiar, o que reduziu muito, principalmente nesse período de pandemia. Fato que tem dado margem para concentração da comercialização dos alimentos nas mãos de atravessadores.

Em alguns municípios, como Caucaia, a CONAQ tem estabelecido parceria com o Instituto Veredas da Cidadania, que desenvolve um projeto de ATER em algumas comunidades quilombolas da região, mas também não tem especificidades de ATER Quilombola.

O PAA, a princípio, era um programa voltado à produção quilombola, tinha grupos de mulheres que faziam bolos tradicionais nas comunidades e comercializavam via programa. Hoje em dia não está funcionando, diminuiu bastante o acesso e os recursos disponíveis, e muitas pessoas ficaram desacreditadas no programa.

Já o PNAE, as famílias quilombolas sempre buscaram o acesso, principalmente por verem a necessidade de melhoria na alimentação escolar do próprio território. Porém as dificuldades nos municípios para emissão da DAPs interferem diretamente na inserção das famílias quilombolas no programa. Essa dificuldade de inserção acontece tanto no PAA como no PNAE. As famílias têm buscado a Ematerce para apoio nas emissões de DAPs.

Outro gargalo em relação ao acesso ao PNAE pelos quilombolas é a não inclusão dos alimentos produzidos nas comunidades no edital de compra dos municípios. Não tem participação social na construção das chamadas públicas e não tem sido dado prioridade para a agricultura quilombola.

A presença dos atravessadores nos territórios quilombolas, com promessas de emissão de DAPs para acesso ao PNAE, utilizando de cooptação das famílias para adesão a projetos já prontos, tem provocado vários problemas e denúncias ao Ministério Público. O acesso ao PNAE acaba ficando concentrado em cooperativas externas maiores.

Observa-se que na ausência de políticas públicas para a Agricultura Familiar Quilombola e omissão do Estado, tem se criado espaços para atuação de grupos empresariais como os do chamado sistema “S” (Sebrae, SESI, Senar, Senai) nas regiões a partir das demandas dos sindicatos. Algumas famílias quilombolas participam de capacitações e palestras, mas as ações são articuladas por outras entidades e na maioria das vezes não atendem as demandas e realidades dos quilombos.

2.3. Biodiversidade e manejo dos agroecossistemas

A Secretaria de Desenvolvimento Agrário do Estado do Ceará desenvolve o programa “Hora de Plantar” – com doação de sementes de feijão e milho híbrido. Os agricultores(as) relatam que muitas vezes as sementes não se adaptam e apresentam baixa produtividade. Alguns quilombos têm suas próprias sementes crioulas, com casas de sementes apoiadas pela Cáritas que têm um trabalho histórico na região com sementes tradicionais.

O debate político em torno da agroecologia ainda está solto, a maioria das famílias quilombolas têm consciência sobre os plantios sem uso de agrotóxicos, participam de feiras agroecológicas, mas ainda de forma pontual. A produção agroecológica está desarticulada com a ATER, o que torna a transição agroecológica mais difícil para os agricultores(as).

2.4. Organizações parceiras

Centro de Estudos do Trabalho e de Assessoria ao Trabalhador (Cetra), Cáritas Diocesana, Instituto Agropolos do Ceará, Coordenadoria Especial de Políticas Públicas para a Promoção da Igualdade Racial (Ceppir), UFCE/UNILAB, Secretaria de Desenvolvimento Agrário do Estado/Cooder e a Unidade de Gerenciamento de Projetos (UGP/ Projeto São José), Incra, Mesa Brasil/SESC – organiza a distribuição e doação de alimentos nas comunidades, Instituto Federal do Ceará (IFCE), Neabs, Sindicato dos Trabalhadores(as) Rurais em alguns municípios, alguns Sintrafs regionalizados, Ematerce em alguns municípios, Comissão Pastoral da Terra (CPT), Instituto Veredas da Cidadania, através de um programa do Governo Federal/Ementa parlamentar tem desenvolvido projeto de ATER em alguns territórios da região metropolitana e Fortaleza.

2.5. Recomendações preliminares

Investir nos canais curtos de comercialização, como feiras livres, feira quilombola, feiras agroecológicas, considerando a existência de grupos organizados e já acessando esses canais. Desenvolvimento de sistemas agrícolas que se adequem à realidade dos tamanhos das áreas disponíveis nas comunidades, que proporcionem a integram da criação de animais e cultivos diversificados.

Os investimentos nas casas de farinhas e no aproveitamento e beneficiamento das castanhas-de-caju.

O agroextrativismo tem potencial na região, bem como a produção de frutas e a confecção de artesanatos com matéria-prima das comunidades.

ATER Quilombola voltada para organização de empreendimentos coletivos para atender a demanda da comercialização e eliminar a interferência dos atravessadores.

3. Sergipe

Bioma: Caatinga

Participantes: Welligthon, Maria Gressí, Tereza Barros.

Estima-se que existam mais de 60 comunidades quilombolas no estado de Sergipe, porém apenas 32 se encontram certificadas pela Fundação Palmares.

3.1. Caracterização da Agricultura Familiar Quilombola

Sergipe possui uma quantidade considerável de comunidades quilombolas em relação ao tamanho do estado, com uma diversidade muito grande a partir de regiões geográficas diferentes.

Existem comunidades quilombolas de pesca que neste momento se encontram prejudicadas, com rios poluídos, correntes e cancelas colocados nas passagens dos pescadores. Muitas dessas comunidades têm trabalho com artesanato de barro, mas vivem da agricultura também.

No território luziense tem uma certificação que envolve mais de sete comunidades. Todas são comunidades costeiras, mas também vivem da plantação de milho, macaxeira e principalmente do pescado.

A Comunidade Porto da Areia, apesar de ser registrada como urbana, tem características rurais e vive da pesca. O rio Piauí está poluído e as famílias precisam andar longas distâncias para pegar os pescados.

Por ser uma comunidade próxima ao centro urbano, as famílias vivem de outras fontes de renda também. Mas a agricultura é um ponto forte nesse território, tanto que o movimento quilombola está buscando formas de retomar a feira tradicional que existia no munícipio.

Nas comunidades costeiras as mulheres atuam diretamente com o pescado, limpam, tratam e vendem o peixe seco no mercado, o camarão cozido… ou seja, desenvolvem uma diversidade de atividades.

A Comunidade Maloca é um quilombo urbano no centro da capital Aracaju, vive do artesanato, de uma feira comunitária, e pretende trabalhar com agricultura urbana através de um projeto com a Empresa de Desenvolvimento Agropecuário de Sergipe (Emdagro).

As comunidades Pontal da Barra, Alagamar e Aningas são costeiras e vivem do pescado, a comunidade de Algamar vive do artesanato em palha, produzido pelas mulheres.

Descendo o baixo São Francisco, tem as comunidades que trabalham com turismo comunitário.

No sertão as comunidades trabalham com as áreas de plantações, produzem e vendem. Mas muitas precisam vender mão de obra, plantam na terra dos outros “plantando e vendendo o dia”. Devido as terras serem poucas nos quilombos para agricultura.

Ainda existem comunidades que se encontram em pequenas áreas, estão cercadas por fazendas, e acabam perdendo a características de agricultura e passam fornecer mão de obra para terceiros.

O movimento quilombola de Sergipe tem visitado as comunidades e dentre as demandas levantadas pelas famílias está a realização das feiras nas comunidades e ATER Quilombola.

Uma das dificuldades identificadas nas comunidades é o acesso à água. Alguns municípios entram com o fornecimento de água via caminhão pipa durante o verão. E no período de seca a prioridade é a produção de alimentos para o sustento das famílias, no inverno produzem para o consumo e comercialização fora da comunidade.

As comunidades têm um potencial muito grande para o turismo comunitário. Mas não há nenhuma iniciativa governamental que estimule essa linha.

Na Comunidade Caraíbas realizam a criação de suínos, aves e hortaliças. Tem comunidades como Campo das Folhas e Lagoa dos Campinhos em processos mais avançados no trabalho de produção de frutas nessa região litorânea, na beira do rio.

A Comunidade Serra da Guia no alto sertão, tem a cultura forte do plantio de feijão e milho e do gado leiteiro, já vem das raízes do alto sertão.

De forma geral a pesca, a agricultura familiar e o artesanato são os três principais pilares para o desenvolvimento nas comunidades quilombolas em Sergipe.

3.2 Biodiversidade e manejo dos agroecossistemas

A luta das famílias quilombolas é para manter a agricultura quilombola, agroecológica e sem uso dos agrotóxicos.

O grupo de mulheres no Quilombo Mocambo, em Aquidabã, segue se organizando para produção de hortaliças sem agrotóxicos. Porém, a falta de apoio técnico tem dificultado. Elas contam apenas com apoios pontuais da Emdagro.

Assim as comunidades seguem buscando saídas com inseticidas naturais e cuidando das plantações.

Existem comunidades que têm suas próprias sementes crioulas, a exemplo da Comunidade Quilombola Sítio Alto, localizada no município de Simão Dias. Mas a comunidade precisa de incentivo para manter a casa de sementes e apoio para que essas sementes cheguem até as demais comunidades. Além das sementes é preciso formação dos agricultores(as) para demonstrar a importância das sementes crioulas para a agricultura quilombola.

3.3 Políticas públicas

O movimento quilombola estava avançando em articulações com a Secretaria de Agricultura do Estado para a criação de termos de cooperação para venda direta dos produtos da agricultura quilombola. Mas a pandemia paralisou a ação, e mudanças internas no órgão fragilizaram o processo de articulação.

Está sendo construindo um novo edital do PAA estadual e as comunidades quilombolas tem expectativas para o acesso, entretanto não há experiência na execução do processo. O MST é o movimento que mais articula essa pauta por dentro das secretarias do estado, a CONAQ está buscando um diálogo para garantir o acesso de algumas famílias.

O Incra não tem fornecido as DAPs como deveria, o estado não tem uma organização que atenda as demandas dos quilombos. As DAPS têm sido emitidas em muitos municípios na categoria de agricultores(as) familiares e não quilombolas. A Emdagro é um dos órgãos que têm emitido as DAPs para as comunidades quilombolas.

O turismo comunitário é um ponto positivo que precisa ser melhor explorado, todavia precisariam partir de construção de um programa junto as comunidades quilombolas.

Quem tem feito reuniões com as comunidades quilombolas sobre o turismo comunitário tem sido os técnicos(as) do Sebrae, que na opinião das lideranças adotam métodos que não se adequam à realidade quilombola.

O governo do estado do Sergipe desenvolve o projeto “Dom Távora”, que atende nove comunidades quilombolas. Uma ação em parceria com o Fundo Internacional de Desenvolvimento Agrícola (FIDA), com objetivo de contribuir para a redução da pobreza rural, mediante apoio aos pequenos produtores, de forma que estes desenvolvam negócios agropecuários e não-agropecuários que contribuam para a segurança alimentar e permitam a inclusão pelo trabalho e pela renda de maneira sustentável.

Para o movimento quilombola, o projeto Dom Távora reproduz uma lógica impositiva. Ele envolve 103 comunidades rurais em Sergipe e apenas 9 destas são quilombolas e 1 de terreiro.

São projetos diversos, e que deveriam partir da aptidão e demandas das comunidades. A exemplo de comunidades que receberam financiamento para construção de infraestruturas e aquisição de aves, cabras pequenas, aviários, material para construção de aviários, motores para produção de ração. Acompanhado de uma ATER dos técnicos da Emdagro, que levam projetos prontos, não havendo discussão com as comunidades.

De forma geral os projetos de apoio à agricultura quilombola precisam estar alinhados com as estratégias de ATER e precisam ser dialogados e construídos com as comunidades.

Essas comunidades, através do Dom Távora, estão começando a trabalhar e desenvolver projetos e ações nas comunidades considerados inovadores.

A comunidade Brejão dos Negos conseguiu uma fábrica de extração de óleo de coco, vai começar a produzir óleo de coco, vizinha tem a comunidade de Santa Cruz, que vai produzir camarão.

E existem outras comunidades que estão trabalhando com atividades como criação de cabras e galinhas, que não eram atividades desenvolvidas nessas comunidades. Portanto, necessitam assistência técnica continuada, com foco na permanência a longo prazo dessas atividades e equipamentos que foram conquistados com o projeto Dom Távora.

Outro fator que preocupa as lideranças são as mudanças na forma de produção. Existe um grupo misto de 17 famílias de criadores de aves, que já criavam, mas de forma tradicional, galinhas caipiras, e agora receberam equipamentos para a implantação de galinheiros com 100 aves, ração e chocadeira.

O governo do estado tem abordado a criação de um “selo quilombola” para valorização dos produtos, em parceria com a universidade, mas este também é um debate pontual, desarticulado com as estratégias de comercialização e da produção.

Na atual conjuntura governamental e com a pandemia de Covid-19 está muito difícil demandar políticas públicas para Agricultura Familiar Quilombola, avaliam.

3.4 Organizações parceiras

Professores das comunidades, contadores das associações, antropóloga regional – consultora do projeto de Brejo Grande, consultores independentes, pesquisadores(as) da UFS, Seagro/Projeto Dom Távora.

3.5 Recomendações preliminares

Investimento no turismo comunitário – criando programas a partir das demandas e realidades das comunidades.

Escassez hídrica na região do sertão precisa entrar nas estratégias.

Iniciativas de casa de sementes crioulas tem avaliação positiva, com demandas de ampliação para outras comunidades, aliadas a ATER voltada para o resgate dessas sementes.

Formação em gestão e organização de empreendimentos nas comunidades, para eliminar a atuação de atravessadores. Considerando que tem comunidades que estão organizadas como associação quilombola e outras não, mas falta construir e criar coordenações específicas.

4. piauí

Bioma: Caatinga

Participantes: Arnaldo e Maria Rosalina.

O estado tem 98 comunidades certificadas pela Fundação Palmares, com outras demandas para reconhecimento no estado.

4.1 Caracterização da Agricultura Familiar Quilombola

A base de sustentação das comunidades quilombolas no Piauí vem do cultivo do milho, feijão, mandioca, arroz, cana-de-açúcar entre outros. Os sistemas produtivos variam por região, com comunidades no semiárido e outras em áreas mais úmidas.

O maior número de quilombos está no semiárido e desenvolve a criação de animais de pequeno porte, ovinos e caprinos, galinhas e porcos. A produção de alimentos além do consumo também é comercializada nas feiras dos pequenos municípios e outros conseguiram acessar o PAA e PNAE.

A dificuldade maior para a agricultura quilombola é a falta de chuva e consequentemente acesso à água para produção e criação.

A não regularização do território também é outro fator que interfere diretamente na agricultura, considerando que as comunidades estão pressionadas e perdendo suas terras para o agronegócio.

4.2 Políticas públicas

O estado e os municípios são omissos no desenvolvimento e execução de políticas públicas para apoio da agricultura familiar. Desde o preparo da terra até a comercialização as comunidades não têm apoio do Poder Público.

Algumas comunidades acessaram o PAA, comercializando produtos, e também foram beneficiadas com cestas de alimentos do próprio programa. As operacionalizações dessas políticas públicas apresentam muitos entraves, havendo um desencontro nas estratégias no âmbito federal, estadual e municipal.

As comunidades encontram na maioria das vezes dificuldades para acessar programas como PAA e PNAE. As exigências de documentações que não se adequam à realidade é um fator limitante e a não existência de assistência técnica para apoio na elaboração dos projetos e apresentação da documentação que muda constantemente são problemáticas vivenciadas.

4.3 Assistência técnica

A assistência técnica é precária e quando acontece está relacionada a projetos pontuais nas comunidades. No final do projeto, acaba a assistência e a comunidade volta a ficar desassistida e sem suporte técnico.

4.4 Biodiversidade e manejo dos agroecossistemas/práticas agroecológicas

A agricultura é na maioria das vezes feita de forma tradicional, mantém práticas de manejo que são passadas de geração a geração. Algumas comunidades têm casas de sementes.

O sistema de pousio é utilizado nas áreas de plantio, deixando a terra descansar por anos após os cultivos. Práticas como essas são importantes, pois as chuvas são escassas nessa região do semiárido, o que deixa os sistemas agrícolas mais fragilizados.

O manejo animal é realizado com a criação de espécies caipiras, com trocas entre as famílias nas comunidades, o que configura um intenso fluxo genético de sementes e fauna.

4.5 Organizações parceiras

Emater, Sindicato dos trabalhadores(as) rurais, Incra.

4.6 Recomendações preliminares

Projetos e recursos destinados ao acesso a água, como perfuração de poços, demanda de algumas comunidades.

Investir em formação de agentes técnicos na própria comunidade para apoio a acesso a políticas públicas e voltadas para a gestão de associações.

Ações que possam fortalecer as casas das sementes crioulas nas comunidades.

5. Maranhão

Bioma: Cerrado

Participantes: Célia, Celso, Ivo.

O Maranhão possui mais de 1.300 comunidades quilombolas identificadas.

5.1 Caracterização da Agricultura Familiar Quilombola

A agricultura integra parte importante da história das comunidades quilombolas no Maranhão, onde a produção das roças, além de garantir a alimentação das famílias, gera renda para 90% das comunidades. Os sistemas produtivos incluem a criação de pequenos animais como galinhas, porcos, gado pé duro, roçados em plantios diversos e a produção de farinha de forma artesanal, entre outros.

O trabalho é realizado de forma “rústica” como avaliam os agricultores(as). A mecanização é utilizada por uma porção menor de famílias nas etapas de preparo do solo, mas a maioria das comunidades trabalha em roças em sistemas de cultivos tradicionais.

Um dos desafios levantados é o de garantir que as gerações futuras mantenham o manejo tradicional agrícola presente nessas comunidades. Em muitos casos a roça de toco é vista como um “atraso”, o que tem levado algumas comunidades a manifestarem interesse em mecanizar suas áreas de produção por achar que é mais fácil e tecnológico o manejo. Mas o que está em discussão para a agricultura quilombola é como otimizar o sistema agrícola tradicional, garantindo o aumento da produção, com sustentabilidade e conservação ambiental dos agroecossistemas.

De forma geral os quilombos no Maranhão possuem poucas áreas mecanizadas, e na região do Cerrado observa-se que as comunidades têm sofrido forte pressão para mudança de modelo da agricultura. Devido ao avanço do agronegócio, com consequente uso de pacotes químicos e maquinários.

Há sobretudo iniciativas que tentam conciliar o uso de tecnologias agrícolas, preservação das práticas tradicionais de agricultura e conservação da biodiversidade.

Devido às fragilidades nos processos de regularização fundiária, algumas áreas quilombolas estão ocupadas por propriedades privadas que cobram pelo uso da terra.

Por outro lado, as práticas extrativistas estão associadas à sustentabilidade das comunidades. As mulheres quebradeiras de coco exercem um protagonismo no manejo do babaçu, com extração do óleo, palha. Entretanto, é uma cadeia produtiva que precisa estudar as particularidades de cada região e do bioma.

Em relação à organização social, o histórico de ocupação do território, a atuação de movimentos sociais e da Igreja Católica, e os conflitos de terras no Maranhão, com o recebimento de títulos, levaram à criação das associações nas comunidades quilombolas.

Atualmente existem comunidades em vários estágios de organização. Um grande problema observado é o de que muitas associações tiveram a sua criação relacionada ao acesso a políticas públicas, que em muitos casos está atrelado à existência de uma organização formalizada juridicamente. Mas há dificuldades na gestão desses empreendimentos.

Nos últimos anos, o movimento quilombola vem trabalhando na reorganização dessas associações, voltadas aos contextos socioculturais das comunidades e seus formatos específicos de organização social nos territórios.

Em relação a processos de agroindustrialização da produção, ainda é um debate distante da maioria das comunidades.

5.2 Políticas públicas

As ações se encontram fragmentadas nos órgãos públicos e distante das realidades dos quilombos. Observa-se ainda uma postura institucional dos órgãos públicos desarticulada. As informações sobre as políticas públicas e projetos de apoio que são criadas não chegam às bases das comunidades.

Algumas comunidades conseguiram acessar o PAA e o PNAE de forma individual. O principal entrave para acesso a esses programas é uma série de documentos exigidos e o curto prazo para elaborar os projetos. São processos burocráticos, nos quais os editais e chamamentos públicos, mesmo que sejam direcionados para PCTs, não dialogam com a realidades desses povos.

O governo do estado, por meio da Secretaria de Estado da Agricultura Familiar (SAF), lançou editais de credenciamento ao Programa de Compras da Agricultura Familiar (Procaf), que beneficia povos indígenas e associações. Mas ainda é difícil o acesso pelas comunidades, principalmente quanto as exigências de documentação para o credenciamento, que não consideram a situação dessas comunidades de não regularização dos territórios e documentos de posse da terra.

No site do governo do estado se encontram divulgadas ações com comunidades quilombolas, como os editais do Pronaf, mas na prática o acesso é mínimo. Alguns agricultores(as) quilombolas conseguiram acessar o Pronaf, mas são casos isolados. Na maioria das vezes o calendário do banco é diferente do calendário dos agricultores(as) e da produção agrícola.

Houve no estado uma iniciativa pelo governo para o plantio da mandioca pela agricultura familiar em parceria com a Ambev. Incluiu cursos da cadeia da mandioca focados em melhoramento para mercado – iniciativas da Embrapa com ações no Senar, Sebrae e Senai. Mas nada direcionado a comunidades quilombolas.

O estado tem uma política de criação do “selo quilombola”, está em fase de implantação em algumas comunidades. Todavia, tem pouca difusão, quase ninguém sabe como acessar o selo.

Tem o programa “Maranhão Quilombola”, que é um programa e articulação da Secretaria de Estado de Igualdade Racial (SEIR) em parceria com outras secretarias do estado e municípios. São eixos desse programa: acesso à terra, infraestrutura e qualidade de vida (ECAM, 2021). Porém, na prática o programa não é operacionalizado como proposto e dentre as dificuldades está a articulação com os municípios.

5.3 Biodiversidade e manejo dos agroecossistemas/práticas agroecológicas

Muitas comunidades ainda cultivam suas próprias sementes crioulas, contudo, o que se observa é que se criou nos últimos anos uma relação de dependência em receber essas sementes do Poder Público Municipal.

Na maioria das vezes as sementes doadas pelo estado apresentam problemas para adaptação nas áreas de plantio, pois são sementes compradas em outras regiões e estados.

A maioria das comunidades realiza práticas tradicionais de agricultura, como a roça de toco, e são poucas as comunidades que adotam o uso de maquinários mecanizados.

Um dos fatores que leva à manutenção das práticas tradicionais de agricultura é a proteção ambiental, considerando o uso da terra.

As roças de toco são consideradas uma tecnologia milenar com práticas ancestrais, a prova disso é a produção e fertilidade mantida ao longo dos tempos de ocupação dos territórios pelas famílias quilombolas.

5.4 Organizações parceiras

Parceiro próximo: Centro de Cultura Negra do Maranhão.

Parcerias pontuais e diálogos: Sindicatos dos Trabalhadores(as) Rurais, Sociedade de Direitos Humanos, Quebradeiras de Coco (MIQCB), e em alguns municípios a Secretaria de Igualdade Racial, Coordenação Estadual das Comunidades Negras Rurais Quilombolas do Maranhão (Coneruq), Movimento Quilombola do Maranhão (Moquibom), Comissão Pastoral da Terra (CPT). No estado as parcerias são temporárias, devido à mudança de gestores.

O movimento agroecológico é parceiro no estado, porém há fatores que limitam o debate, pois ainda traz uma visão uniforme da agroecologia, não reconhecendo contribuições específicas de comunidades tradicionais e quilombolas, que fazem agroecologia há muito tempo.

5.5 Recomendações preliminares

Ações voltadas à identificação e reconhecimento de práticas tradicionais de agricultura nas comunidades.

Ações sobre gestão quilombola dos empreendimentos coletivos e de organização para a produção e comercialização da agricultura familiar.

Desenvolvimento de tecnologias sociais para otimização dos sistemas produtivos nas comunidades.

Incentivar o agroextrativismo como eixo produtivo em potencial no estado.

6. Minas Gerais

Bioma: Cerrado

Participantes: Sandra Maria da Silva Andrade

6.1 Caracterização da Agricultura Familiar Quilombola

Em Minas Gerais, os sistemas produtivos incluem cultivos principais de mandioca, banana, cana-de-açúcar, entre outros, tendo como destino principal a alimentação das famílias. Os alimentos produzidos são trocados entres as famílias nas comunidades, e/ou comercializados em feiras dos municípios.

Entretanto, boa parte da comercialização se encontra nas mãos de atravessadores, que pagam preços baixos. A exemplo do artesanato das comunidades, como jarros de barros e de capim dourado, comprados por um preço muito barato nos quilombos e vendidos por alto preço no exterior .

Algumas comunidades trabalham com artesanato, turismo comunitário e rural, mas salientam que é necessário construir projetos a partir da gestão das próprias comunidades, com autonomia nos processos.

A agricultura nas comunidades inclui a criação de porcos, plantio de hortaliças, feijão, milho, batata-doce, entre outros alimentos. Existem ainda comunidades que são referência na produção de açúcar mascavo, com agroindústria e criação de gado para leite.

As comunidades demandam por investimentos em equipamentos e tecnologias, para melhoria das condições do trabalho. Desejam se estruturar com equipamentos, mas sem perder a tradição e a cultura.

As áreas e cultivos se encontram limitados nessas comunidades, devido à perda de território. Algumas comunidades produzem hortaliças, entretanto a manutenção das áreas de produção se encontra ameaçada pelo avanço do agronegócio no entorno.

Na região do rio Doce, muitas comunidades querem investir na agricultura, mas, devido à invasão de grandes proprietários de terra e empresas que se instalaram no território, estão impossibilitados do acesso à terra e aos bem naturais, como fontes de água, essenciais para a agricultura.

O acesso à água é fator preocupante, um problema na região do Jequitinhonha. Devido ao assoreamento dos rios que abastecem o estado e o uso irresponsável de empreendimentos do agronegócio que captam muita água, a exemplo do setor de mineração.

6.2 Políticas públicas

O movimento quilombola continua ativo na busca de apoio para as comunidades quilombolas, porém, com as mudanças de gestão no estado, houve grandes retrocessos. A exemplo de parcerias que aconteciam com a Emater, que foram muito importantes, mas descontinuadas nos últimos anos.

Algumas comunidades quilombolas tinham projeto de compra da produção dos alimentos através do PAA, mas se encerraram devido aos desmonte desses programas sociais pelo Governo Federal e estadual.

Houve um esforço muito grandes das famílias para acesso a programas como PAA e PNAE, estabeleceram parceria com a Emater para emissão das DAPs, mas na maioria das comunidades a documentação se limitou à participação nos programas de compra da agricultura familiar.

No último governo conseguiram ter apoio direto a demandas de pequenos projetos das comunidades que eram voltados à criação de pequenos animais, agricultura, costura e artesanato. Com as mudanças governamentais, atualmente as comunidades estão sobrevivendo a partir dos esforços próprios.

Também há dificuldade em se conseguir apoio para as comunidades quilombolas em um estado com fortes características ruralistas e racistas. Mesmo assim, a CONAQ e lideranças quilombolas participam de espaços de controle social, como os conselhos de povos e comunidades tradicionais, na busca por apoio e parcerias.

Atualmente tem um projeto com o Ministério Público do Estado (MPE) e a Secretaria de Desenvolvimento Social para atender as demandas das comunidades, porém, apenas uma das mais de mil comunidades entrou nesse projeto, devido aos critérios estabelecidos no projeto de uma vaga para cada segmento. Observe-se que o estado tem vários segmentos que se identificam como Povos e Comunidades Tradicionais (PCT).

6.3 Assistência técnica

A ATER faz falta para as comunidades, principalmente no apoio para acessar mercados e políticas públicas.

Muitas associações quilombolas se encontram inadimplentes. As comunidades estão tendo maiores dificuldade em manter as associações regularizadas, principalmente nesse contexto de crise na geração de renda.

Não houve um processo de discussão da gestão desses empreendimentos, as comunidades criaram as associações para acessar alguma política pública, e não houve um acompanhamento e orientações sobre a gestão administrativas dessas associações.

Outra preocupação é a entrada do sistema “S” nas comunidades, que geralmente leva projetos prontos, pacotes tecnológicos que tiram a identidade da Agricultura Familiar Quilombola.

Consideram ainda importante as políticas públicas de apoio à educação para a juventude, com formação em diversas áreas, incluindo a agricultura.

6.4 Biodiversidade e manejo dos agroecossistemas/práticas agroecológicas

O agroextrativismo é uma atividade muito presente nas comunidades, com aproveitamento de frutos do Cerrado, como baru, pequi e macaúba. Mas ainda está muito centrado nos processos de coleta e não de processamento, devido à falta de estruturas nas comunidades.

Os sistemas agrícolas tradicionais nas comunidades são um ponto forte para a manutenção da biodiversidade, a exemplo das famílias quilombolas que são apanhadores(as) de flores sempre vivas. Elas tiveram em 2020 o reconhecimento de Sistema Agrícola Tradicional (SAT) de manejo do Cerrado, como um patrimônio mundial reconhecido pela FAO.

A agroecologia é considerada um nome novo para práticas que sempre estiveram presentes nas comunidades quilombolas. Não usavam agrotóxicos e produziam de forma natural. Infelizmente hoje não está sendo possível a manutenção dessa relação agricultura/natureza. A chegada de grandes empreendimentos do agronegócio tem sido uma ameaça, o que altera os modos de vida e muda o território.

6.5 Organizações parceiras

Federação N’Golo, Cáritas, Emater, STTRs, Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Estado de Minas Gerais (Fetaemg), Centro de Agricultura Alternativa do Norte de Minas (CAA), Centro de Agricultura Alternativa Vicente Nica (CAV), Contag e ECAM.

6.6 Recomendações preliminares

Buscar apoio e projetos com organizações parceiras para a regularização das associações quilombolas que se encontrem inadimplentes.

Buscar formas para registro e possibilidade das associações quilombolas administrarem recursos financeiros com ajustes fiscais que se adequem à realidade.

Emissão de notas fiscais para as vendas dos produtos, pois para venda em mercados como o PNAE muitas associações, por serem sem fins lucrativos, ficam impossibilitadas de emitir nota fiscal.

7. Mato Grosso do Sul

Bioma: Cerrado

Participantes: Adalto, Jorge Malaquias, Vania, Vera Lucia e Lucinéia.

7.1 Caracterização da Agricultura Familiar Quilombola

Os sistemas produtivos nas comunidades quilombolas em Mato Grosso do Sul estão organizados na produção de hortaliças, plantio de roças de feijão, mandioca, milho, derivados da cana-de-açúcar, bananas, criação de animais como porcos, galinhas, gado para corte e leite e produção de farinha de forma artesanal. Comunidades quilombolas ribeirinhas também vivem da pesca.

Há relatos de comunidades quilombolas que eram rurais, mas, devido à pressão fundiária, se tornaram comunidades periurbanas ou urbanas, como a Comunidade Tia Eva, que perdeu suas áreas destinadas à agricultura. Hoje a comunidade reproduz práticas nos quintais com plantio de espécies frutíferas, ervas medicinais e hortas, passando a ser prestadora de serviços em Campo Grande. Mas ainda mantém o empreendedorismo afro por grupos de mulheres.

Outras comunidades investiram na criação de galinhas poedeiras e gado de corte para comercialização no frigorífico da região, por meio da inscrição estadual de alguns agricultores(as).

A produção de hortaliças é vendida para cooperativas locais, na Ceasa e também na própria comunidade e feiras livres dos municípios. A produção também é comercializada em grandes mercados da região. Algumas comunidades conseguiram acessar o PNAE e PAA.

Como a região tem potencial turístico, há muita procura direto nas comunidades pela produção quilombola. Já a produção artesanal, como farinhas, melado e rapadura, tem canais de comercialização consolidados na capital e em outros municípios, em supermercados e feiras.

A produção leiteira nas comunidades é um ponto forte, porém os produtores ficam reféns dos preços baixos dos atravessadores. E a produtividade oscila muito com o período da seca. As famílias não possuem estruturas para beneficiar o leite e precisam entregar para os laticínios da região para ser comercializado.

As comunidades desejam desenvolver processos que possibilitem organizar melhor a comercialização dos seus produtos. O “selo quilombola” é uma promessa do governo.

O associativismo ficou mais voltado para as cadeias produtivas do que como um espaço de organização, e em alguns casos envolve famílias não quilombolas que moram na região.

Os tamanhos das áreas das comunidades são pequenos para criação de animais maiores como gado. As mulheres assumem em muitos casos as tarefas da produção de alimentos, considerando que muitos homens saem da comunidade para trabalhar em fazendas vizinhas. A exemplo do grupo de mulheres da Comunidade Furnas do Dionísio, que trabalham com produtos derivados de cana e comercializam em festivais e feiras. E tem iniciado um resgate do artesanato nas comunidades através da confecção de peneiras de palha.

A falta de água é um fator que preocupa, devido aos períodos de seca cada vez mais prolongados. A escassez de água é relacionada também ao desmatamento e ao avanço do agronegócio no estado com plantios de soja, pastagem e cana próximos aos rios.

7.2 Políticas públicas

Não há políticas públicas ou programas específicos para agricultura quilombola, pois muitas vezes as comunidades não são nem consideradas quilombolas pelo Estado.

Muitas famílias buscaram a Agência de Desenvolvimento Agrário e Extensão Rural (Agraer) para emissão da DAP para acesso a políticas públicas como PAA e PNAE. Entretanto, algumas não conseguiram atender as solicitações de documentação. Outras relatam que tiveram que fazer o CAR particular, buscaram declarações de reconhecimento no Incra para abertura da inscrição estadual e acesso ao PNAE.

A falta de titularização dos territórios tem impossibilitado o acesso a políticas públicas.

O acesso ao PNAE via associação também apresentou problemas devido à emissão da nota fiscal. Assim, em muitos casos o acesso se deu de forma individual, via inscrição estadual de produtor. Existe uma comunidade que conseguiu acessar o PNAE e fornecer produtos processados por meio de agroindústria comunitária existente na comunidade, com produção de pães, pamonhas, doces, queijo, farinhas, mel e hortaliças para atender 28 escolas municipais e estaduais e firmaram parcerias com a ação social.

A garantia do preço fixo desses programas é importante, considerando que não tem oscilação durante o ano, que dá garantia e estabilidade para os agricultores(as) se planejarem, mas infelizmente o PAA reduziu muitos nos últimos anos.

Estão em busca do acesso ao “selo arte”, criado em 2019 pelo governo do estado via Secretaria de Meio Ambiente, Desenvolvimento Econômico, Produção e Agricultura Familiar. O Selo Arte de Mato Grosso do Sul visa possibilitar que produtos artesanais de origem animal, mesmo tendo apenas a certificação sanitária do município, possam ser comercializados em todo o Brasil.

No município de Maracaju existe o programa de inspeção sanitária que se tornou referência no estado e no Brasil. O Serviço de Inspeção Municipal de Produtos Alimentícios Artesanais da Agricultura Familiar e Urbana (Simpaf) é o único programa no país que tem uma lei que certifica os produtos alimentícios artesanais da agricultura familiar para que possam ser comercializados de forma legal. Com isso, o município pode comprar esses alimentos e fornecer na merenda escolar.

Em relação ao Pronaf, há interesse dos agricultores(as) para acesso, mas encontram dificuldades e falta de apoio técnico na elaboração dos projetos e documentação.

7.3 Assistência técnica

Possuem parcerias técnicas com algumas prefeituras, a exemplo da Prefeitura de Maracaju.

Sebrae tem uma iniciativa de criação do selo municipal quilombola para comercialização dos produtos em alguns municípios. O Senar vem realizando cursos sobre operacionalização financeira através das demandas via Sindicato dos Produtores Rurais.

Universidades têm realizado projetos de extensão sobre reflorestamento de áreas degrad 7.4 Biodiversidade e manejo dos agroecossistemas/práticas agroecológicas

Atualmente existem cinco projetos em Mato Grosso do Sul financiados pelo DGM Brasil e Banco Mundial voltados para a agroecologia e para a recuperação de nascentes e áreas degradadas.

Um dos impactos observados é o plantio de soja, pastagens e milho transgênicos próximos às comunidades, com desmatamento e pulverização de agrotóxicos. Isso tem aumentado a incidência de insetos e doenças nas roças das comunidades.

7.4 Organizações parceiras

Sebrae, sindicatos rurais, Senar, Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, Universidade Estadual do Mato Grosso do Sul, prefeituras municipais, Banco Mundial, Universidade da Grande Dourados, Movimento Negro Estadual, associações das comunidades.

7.5 Recomendações preliminares

Incluir ações e projetos para agricultura urbana, considerando comunidades que perderam seu território e vivem nas periferias das cidades.

Potencial turístico da região – favorece a venda de produção diretamente nas comunidades. Há demanda e expectativa em torno de uma certificação da produção quilombola, com selo para valorização e inserção nos canais de comercialização.

Buscar projetos e parcerias para incentivar processos em rede e na coletividade das comunidades.