- estudo realizado por:
Francinete Pereira da Cruz
Diagnóstico
Racismo Ambiental nos territórios Quilombola nos estados da Amazônia legal, Cerrado e Caatinga.
1. Apresentação
A realização do Diagnóstico sobre Racismo Ambiental, com foco nos impactos dos grandes projetos, parte do estudo de validação de informações relacionadas com o desmonte da política pública de atendimento à população quilombola, que diariamente vem perdendo seus direitos garantidos na Constituição Federal de 1988.
Os impactos e meios de mitigação ofertados pelos grandes empreendimentos requerem a não priorização e a desvalorização dessas áreas, em grande parte desestruturadas pelos impactos dos grandes empreendimentos, oriundos do agronegócio e investimentos internacionais.
O não reconhecimento das populações tradicionais ainda existentes nos territórios, no decorrer do processo de discussão da implantação dos empreendimentos, inviabiliza toda e qualquer participação das comunidades ao desconsiderar a consulta livre, prévia e informada.
A falta de criação de ferramentas de gestão a partir do olhar das comunidades quilombolas no processo de implantação dos grandes empreendimentos, além da não garantia dos direitos estabelecidos, invisibilizados pelo Estado, que fecha os olhos para a violação dos direitos do cidadão, reverbera a falta de compromisso para com populações quilombolas desse país.
Portanto, é fundamental a elaboração do diagnóstico sob o olhar atento dos quilombolas que vivenciam diariamente o desrespeito do mercado econômico e os interesses das grandes empresas em garantir o uso dos territórios sem nenhum respeito a quem por centenas de anos sustenta e preserva as riquezas naturais, a historicidade e a identidade cultural de um povo.
Assim, vamos tratar neste diagnóstico sobre a invisibilidade das comunidades quilombolas, diante do contexto de implantação dos grandes empreendimentos, sobre a luta de lideranças que sofrem com as ameaças e a violação dos direitos, os impactos sociais, culturais e ambientais que atingem gerações nos territórios.
Nesse sentido, buscamos antes de tudo entender a contextualização do tema “racismo ambiental. Segundo os pesquisadores Herculano e Pacheco (2006), o racismo ambiental extrapola os limites de discussão sobre o racismo e envolve amplo diálogo sobre violação de direito, etnicidade e política de identidade.
Apesar da temática ter iniciado ainda na década de 1970, entre os negros norte-americanos, por justiça ambiental e direitos civis, no Brasil o tema surge no início dos anos 2000, mas ainda restrito nos meios da organizações não governamentais (ONGs), nas universidades e entres lideranças ambientalistas, limitados ao espaço da recém-criada Rede Brasileira da Justiça Ambiental.
1.2. Descrição e análise do processo de elaboração do diagnóstico
O Diagnóstico sobre Racismo Ambiental nos territórios quilombolas, nos estados da Amazônia Legal, Cerrado e Caatinga faz parte de uma série de trabalhos a serem desenvolvidos por meio do levantamento de informações que contextualizam a história das comunidades quilombolas impactadas pelos grandes empreendimentos.
O racismo ambiental nos territórios quilombolas se desenvolve de forma estrutural, desde quando os europeus chegaram em terras brasileiras. Com o avanço da monocultura do agronegócio, as comunidades são obrigadas a recuar diante de aspectos inerentes ao modelo econômico capitalista, fato que norteia a lógica do desenvolvimento nacional.
As comunidades são forçadas a desistir em decorrência de aspectos inerentes à sua caracterização. Os conflitos existentes são predominantes na luta pela conquista da demarcação e titulação dos territórios, que por vezes encontram-se sobrepostos a áreas florestais considerados prioritários para a conservação ambiental ou até mesmo área destinada à expansão de grandes projetos, que inviabiliza completamente a relação existente há centenas de anos das comunidades quilombolas com seus territórios.
A Constituição Federal de 1988 garante pela primeira vez o direito dos quilombolas à terra. Aquele momento foi um divisor de águas, pois possibilitou o andamento do processo de regularização fundiária e a preservação social e cultural dos quilombos. Possibilitou ainda a visibilidade de um povo esquecido pelo tempo, desgastado pela desestruturação do Estado e a ânsia em dizimar a história dos negros e negras que vieram escravizados ao Brasil.
Diante da necessidade da estruturação de dados e informações referentes aos impactos causados pelos grandes empreendimentos nos territórios quilombolas destina-se este Diagnóstico Sobre Racismo Ambiental a sistematizar dados e informações a partir do mapeamento de áreas nos Biomas da Amazônia Legal, Cerrado e Caatinga, que sofrem com ausência das políticas públicas.
2. Contexto dos biomas
Segundo IBGE, os biomas são constituídos a partir do agrupamento de uma variedade de vegetais que a partir de transformações ambientais vão constituindo paisagem, além de resultar na diversificação da fauna e da flora. Etimologicamente, a palavra bioma deriva do grego bio – vida, e oma – sufixo que pressupõe generalização (grupo, conjunto, volume, massa).
A partir da visão de Moreira (1992, p. 43), bioma é considerado “Unidade biótica de maior extensão geográfica, compreendendo várias comunidades em diferentes estágios de evolução, porém denominada de acordo com o tipo de vegetação dominante”.
Em 2004, na primeira versão do mapa de bioma, definiu-se bioma como: “um conjunto de vida (vegetal e animal) constituído pelo agrupamento de tipos de vegetação contíguos e identificáveis em escala regional, com condições geoclimáticas similares e história compartilhada de mudanças, resultando em uma diversidade biológica própria”. (MAPA DE BIOMAS DO BRASIL – 2004).
A partir do conceito de bioma, ressaltamos a importância da preservação da flora e da fauna e das populações tradicionais guardiãs que o protegem e conservam suas riquezas.
De acordo com o mapa divulgado pelo IBGE, em 2019, são seis os biomas brasileiros e o sistema costeiro-marinho. No entanto, o Diagnóstico Sobre Racismo Ambiental em territórios quilombolas terá o recorte nos biomas Amazônia Legal, Cerrado e Caatinga.
2.1. Bioma Amazônia Legal
Considerado o maior bioma do território brasileiro: ocupa 49,5% da área, composto pelos estados do Acre, Amapá, Amazonas, Pará, Rondônia, parte dos estados do Maranhão, Tocantins e Mato Grosso. Possui a maior floresta tropical do mundo e 20% da disponibilidade mundial de água doce e grandes reservas minerais.
Fonte: Mapa/Foto ISPN https://ispn.org.br/biomas/amazonia/. Acesso em: 8 jun. 2021.De acordo com estudos realizados pelo IBGE, na floresta Amazônia crescem 2.500 espécies de árvores (ou um terço de toda a madeira tropical do mundo), 30 mil espécies de placobre com a abrangência de pelo menos 6 milhões de km2 e tem 1.100 afluentes. Seu principal rio é o Amazonas, que corta a região para desaguar no oceano.
Encontram-se ainda no Bioma Amazônia Legal as populações tradicionais, com destaque para os territórios quilombolas. Em pesquisa realizada pelo Projeto Nova Cartografia Social Brasileira, foram mapeadas mais de mil comunidades quilombolas certificadas e em processo de certificação pela Fundação Cultural Palmares.
Os territórios tradicionais localizados no bioma Amazônia Legal sofrem com a implantação de grandes empreendimentos, os quais representam um modelo de desenvolvimento que desvaloriza complementarmente a relação das populações tradicionais e seus territórios. Um exemplo é a Base de Lançamento de Foguetes Aeroespaciais, implantada no final dos anos 1960 e que, no início dos anos 1980, promove o primeiro deslocamento em massa de 312 famílias de 32 comunidades quilombolas das áreas litorâneas do município de Alcântara, no Maranhão.
Atualmente mais 800 famílias sofrem com um novo deslocamento para a expansão do Centro de Lançamento, em meio à pandemia de Covid-19. As comunidades foram surpreendidas com a informação do convênio firmado entre o governo brasileiro e americano, sem nem mesmo considerar a convenção 169 da OIT.
2.2 Bioma Cerrado
Considerado a maior savana da América Latina, possui uma área de 23,3%, localizado na região do Planalto Central do país, composto pelos estados de Goiás, Tocantins, Maranhão, Piauí, Bahia, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, São Paulo e Distrito Federal.
Fonte: Mapa/Foto ISPN https://ispn.org.br/biomas/cerrado/. Acesso em: 8 jun. 2021.É um dos biomas mais ricos em biodiversidade, com as mais diversas tipologias de vegetais. A flora é composta por mais de 10 mil espécies de plantas nativas; a fauna apresenta mais de 837 espécies de aves, 67 gêneros de mamíferos com 161 espécies – 19 delas só ocorrem nesse bioma – 150 espécies de anfíbios e 120 espécies de répteis.
Há uma diversidade de espécies na fauna e flora desse bioma, o que faz com que ele seja um dos maiores patrimônios da biodiversidade mundial. Suas espécies vegetais e animais são conhecidas por gerações devido ao seu enorme potencial alimentar, medicinal e utilitário, que garante a sobrevivência dos animais e de populações tradicionais .
Essas populações são denominadas cerratenses, ou povos do Cerrado, e têm protagonismo pelo tempo em que vivem na região e defendem o bioma. Atualmente o Cerrado é um dos biomas explorados pela monocultura e tem desmatamento desenfreado, causado pelo agronegócio e agropecuária, sendo designado “fronteira agrícola em expansão”.
O avanço do modelo de desenvolvimento que não leva em consideração a preservação da fauna e da flora, nem mesmo a permanência das populações tradicionais no campo, provoca o êxodo e o desmonte da estrutura social e econômica dessas populações guardiãs.
Existem aproximadamente 44 territórios quilombolas no Cerrado, que lutam incansavelmente pela garantia do território, com destaque para o Kalunga, reconhecido em 1991 como Patrimônio Histórico e Cultural Brasileiro, e que em 2005 recebe a certificação de autorreconhecimento da Fundação Cultural Palmares. Localizada na Chapada dos Veadeiros, no norte de Goiás.
2.3 Bioma Caatinga
Composto por 10,1% do território brasileiro, abrange os estados do Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco, Sergipe, Alagoas, Bahia, Piauí e Minas Gerais. Tem maior concentração na região Nordeste. De origem indígena do povo Tupi-Guarani, Caatinga significa “Mata branca”. Em relação à fauna e flora, tem várias cultivares espécies biológicas (endêmicas) que só existem na Caatinga.
Fonte: Mapa/Foto ISPN https://ispn.org.br/biomas/caatinga/. Acesso em: 8 jun. 2021.Entendemos que a violência nos territórios quilombolas faz parte de um contexto maior que alimenta um modelo de desenvolvimento hegemônico, que não leva em consideração as populações tradicionais vivendo na floresta e nos campos. As comunidades quilombolas invisibilizadas pelo sistema, excluídas do atendimento das políticas públicas, enfrentam no seu dia a dia o racismo ambiental que viola os seus direitos e desmonta de forma agressiva a organização social, cultural ambiental.
O racismo opera de forma institucional, impondo razões para o não funcionamento que obrigatoriamente deveria atender a uma parcela da população que necessita das políticas públicas básicas para sobreviver. Quando se trata dos territórios quilombolas, a injustiça social é mais profunda: em pleno século XXI comunidades inteiras são retiradas de suas terras para dar lugar ao modelo de desenvolvimento que não as inclui.
A luta pelo acesso à terra e a permanência nos territórios aumenta a cada dia. Essas comunidades são invisibilizadas da condição de sujeito de direito; no desgoverno de Bolsonaro, essa situação é mais agravada, principalmente em relação às políticas de regularização fundiária e o sucateamento e desmonte das instituições públicas como o Incra, Seppir, Fundação Cultural Palmares, dentre outras.
Segundo a CONAQ e a ONG Terra de Direitos, entre 2016 e 2017 houve aumento de 350% do número de quilombolas assassinados devido a conflitos no campo. De 2008 a 2017, aproximadamente 76% dos casos não foram solucionados por falta de investigação pelo Poder Público. Tal violação não acontece somente nas políticas de acesso à terra, mas também na saúde, educação, moradia e saneamento básico. Segundo o Ministério da Saúde, apenas 32,8% da população quilombola tem acesso a água tratada, cerca de 21,3% da área quilombola faz uso de agrotóxico e uma média de 25 mil quilombolas estão intoxicados, devido ao contato direto.
Quando analisamos a atuação do Estado nos territórios quilombolas, chegamos à conclusão que este
um dos maiores violadores do direito constituído. Os conflitos oficialmente instituídos têm relação direta ou indiretamente com o Estado, como exemplo, implantação de áreas protegidas sobrepostas com territórios quilombolas, construção de hidrovias, rodovias, ferrovias, terminais portuários e aeroportos.
Segundo as lideranças das comunidades quilombolas, houve aumento significativo de conflitos no campo, devido a incapacidade do Estadonço dos grandes empreendimentos. De acordo com o levantamento realizado, 60% dos territórios quilombolas têm processo de titulação iniciado, com a elaboração do Relatório Técnico de Identificação e Demarcação (RTID).
Dos grandes empreendimentos que impactam as áreas quilombolas, 66,7% são privados, com destaque para a mineração, garimpo, siderurgia, miniprodutos, oleodutos, gasodutos, madeireiras, monoculturas, indústria do turismo, pecuária, especulação imobiliária, etc. 16,7% instituições públicas áreas de preservação ambiental, base militar e Marinha, barragens e hidrelétricas, rodovias; 16,7% instituições público e privado.
Fonte: formulário de pesquisa “Racismo Ambiental nos Territórios Quilombolas nos estados da Amazônia Legal, Cerrado Caatinga”(julho a outubro/2021)”Quando se refere ao atendimento de necessidades das comunidades, as informações são alarmantes: apenas 14,3% são atendidas com algum tipo de projeto de compensação, 28,6% mencionam que existe um diálogo estabelecido e 57,1% afirmam que não existe nenhum diálogo estabelecido entre a comunidade e os representantes, antes de um conflito.
Fonte: formulário de pesquisa “Racismo Ambiental nos Territórios Quilombolas nos estados da Amazônia Legal, Cerrado Caatinga” (julho a outubro/2021)”O processo de tabulação dos dados ocorreu por meio do preenchimento de formulário on-line, no qual lideranças quilombolas responderam a questões estruturadas de acordo com o conflito existente naquele território. Outras questões foram solicitadas, a exemplo da atuação do Poder Público, atividade produtiva desenvolvida nos territórios, se existe algum instrumento de gestão do território vigente ou em processo de elaboração.
3. Metodologia de desenvolvimento das ferramentas de realização da pesquisa.
Com a impossibilidade de realizar pesquisa de campo, o presente diagnóstico foi desenvolvido a partir do levantamento de dados, pesquisa documental, referências bibliográficas de material já produzido (conteúdos de instituições públicas e privadas, sites, entrevistas, livros, banco de dados oriundo de diagnóstico participativo).
Como base principal foi utilizado o Mapa de Conflitos, Injustiça Ambiental e Saúde no Brasil, publicado em 2021 pelo EITA Cooperativa, o qual atualiza dados referentes ao primeiro Mapa de Conflitos elaborado pela Rede de Justiça Ambiental, publicado em 2010, além de pesquisas no site do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Rede Cerrado, Instituto Sociedade, População e Natureza (ISPN), Coordenação Nacional de Quilombos (CONAQ), Combate Racismo Ambiental dentre outros.
Outro método foi o preenchimento de formulários por lideranças dos territórios mapeados impactados por grandes empreendimentos. O formulário foi enviado por WhatsApp e as informações tabuladas em gráficos ilustrativos.
4. Mapa de conflitos e justiça ambiental – Impactos e ameaças
Para o aprofundamento das informações sobre o racismo ambiental em territórios quilombolas, utilizando como referência o Mapa de Conflitos Ambientais e Saúde, de 2010, verificamos naquele momento 297 conflitos, envolvendo os mais variados tipos de conflitos no campo e na cidade, identificou-se que 60,85% deles estão na zona rural, 30,99%, na zona urbana; e 8,38% atingem moradores de áreas onde campo e cidade de alguma forma se misturam. (PACHECO-2010).
O mapa foi atualizado e contou com a força tarefa de grupos acadêmicos e entidades que vêm atuando nos movimentos por justiça ambiental no país, além da vasta cooperação de lideranças dos movimentos sociais. O Mapa de Conflitos Injustiça Ambiental e Saúde no Brasil, publicado pelas instituições Neepes/ENSP/Fiocruz, traz o levantamento de informações sobre os riscos e conflitos que impactam a população em duas frentes primordiais para a sobrevivência e a permanência das populações tradicionais em seus territórios.
De acordo com a Neepes/ENSP/Fiocruz, o “conceito de promoção da saúde acoplado ao de justiça ambiental que assumimos implica em incorporar a defesa dos direitos humanos fundamentais, a redução das desigualdades e o fortalecimento da democracia na defesa da vida e da saúde”. Para as comunidades quilombolas, esse conceito não pode ser dissociado do processo de regularização fundiária. Para além da demarcação, é importante garantir a permanência dessas comunidades no território e a relação com o meio ambiente, a segurança alimentar e nutricional e o fortalecimento da identidade social e cultural de gerações.
Esse Mapa de Conflitos identificou cerca de 134 territórios quilombolas em áreas de conflitos, aproximadamente 22%, num total de 613 áreas identificadas. O estudo avaliou ainda outras atividades geradoras de conflito que podem ser verificados no quadro abaixo.
O governo federal se aproveita do contexto de pandemia e luto para sequestrar o que ainda resta de referência à justiça ambiental na nossa legislação, é uma afronta aos direitos de povos indígenas, quilombolas, povos e comunidades tradicionais, camponeses e camponesas.
4.1 Dados e informações dos impactos
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Fonte: Mapa de Conflitos, Injustiça Ambiental e Saúde no Brasil4.2 Mapa de áreas de conflitos do bioma Amazônia Legal
O falso desenvolvimento do bioma Amazônia Legal é um forte exemplo da implantação da reprodução do sistema colonialista que presidiu a formação do Brasil com a invasão portuguesa em 1500. Na época, alegou-se que a estrada serviria para “levar homens sem-terra, para uma terra sem homens”. Sem considerar qualquer que fosse a existência das populações locais, indígenas, quilombolas, posseiros, ribeirinhos, seringueiros e toda uma infinidade de comunidades que já residiam nessas áreas. Desde então passaram a ser consideradas um entrave e empecilho ao dito desenvolvimento e progresso, famílias sem-terra foram aliciadas a ocuparem terras na Amazônia, com propostas vergonhosas de apoio que nunca chegariam elas, e sim para as grandes empresas.
Com a criação da Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia (SUDAM), as grandes empresas que se dispusessem a investir na região receberam generosos incentivos fiscais, conseguindo assim reter 50% do imposto de renda devido. Dessa forma, começam a surgir as grandes fazendas, com milhares de hectares, e, consequentemente, a exploração madeireira, projetos de manejo florestal e a mineração, dentre outros projetos de incentivo ao desenvolvimento da Amazônia.
Assim o avanço aos territórios tradicionais não demora a acontecer, com a construção de hidrelétricas para o fornecimento de energia para a exploração mineral e o abastecimento da região Centro-Sul. Para que o projeto deimplantação das hidrelétricas se tornasse realidade, foram necessários a abertura e o asfaltamento de rodovias e a criação de hidrovias. As populações locais pré-existentes na região passaram a sofrer as mais diversas formas de pressão para abrir caminho para o desenvolvimento e o progresso, dando assim início a uma era de conflitos e extinção de populações indígenas e territórios quilombolas.
De acordo com o Mapa de Conflitos, foram mapeadas 48 áreas quilombolas no Bioma Amazônia Legal nos estados AM, AP, MA, PA e RO, o equivalente a 36% em relação ao número de comunidades quilombolas em conflitos no Brasil com empreendimentos públicos e privados que violam diretamente seus direitos. Segue abaixo o mapa de conflitos com territórios quilombolas no bioma Amazônia Legal.
INSERIR TABELA
4.3 Mapa de áreas de conflitos do bioma Cerrado
O Cerrado brasileiro é guardião de três grandes reservas aquíferas (Guarani, Bambuí e Urucuia). É dali que nascem grandes rios, como São Francisco, Tocantins e Araguaia, e tem mais de 12 mil espécies de plantas catalogadas (30% ameaçadas de extinção).
No bioma Cerrado foi realizado o levantamento de 70 áreas quilombolas nos estados TO, MS, MT, MG, GO e SP, em conflitos com empreendimentos públicos, empresas privadas e multinacionais por violação de direitos. Entre agosto de 2018 e julho de 2019, foram 648 mil hectares de áreas desmatadas nesse bioma. Podemos classificar os processos conflituosos do bioma em três tipos, todos institucionalizados: a) disputas territoriais devido à rigidez dos órgãos de Estado responsáveis pelo desenvolvimento da estrutura agrária nacional; b) crescimento desenfreado do agronegócio e do turismo; c) disputas ambientais marcadas pelo racismo institucional a partir do sistema arcaico do Estado.
As populações tradicionais que resistem nessas áreas são as guardiães da terra e detentoras de conhecimentos tradicionalmente. Os povos do Cerrado vivem da agricultura de subsistência, também trabalham com extrativismo natural em sua grande maioria de forma associativa e uso comum das áreas.
4.4 Mapa de áreas de conflitos do bioma Caatinga
O Cerrado brasileiro é guardião de três grandes reservas aquíferas (Guarani, Bambuí e Urucuia). É dali que nascem grandes rios, como São Francisco, Tocantins e Araguaia, e tem mais de 12 mil espécies de plantas catalogadas (30% ameaçadas de extinção).
No bioma Cerrado foi realizado o levantamento de 70 áreas quilombolas nos estados TO, MS, MT, MG, GO e SP, em conflitos com empreendimentos públicos, empresas privadas e multinacionais por violação de direitos. Entre agosto de 2018 e julho de 2019, foram 648 mil hectares de áreas desmatadas nesse bioma. Podemos classificar os processos conflituosos do bioma em três tipos, todos institucionalizados: a) disputas territoriais devido à rigidez dos órgãos de Estado responsáveis pelo desenvolvimento da estrutura agrária nacional; b) crescimento desenfreado do agronegócio e do turismo; c) disputas ambientais marcadas pelo racismo institucional a partir do sistema arcaico do Estado.
As populações tradicionais que resistem nessas áreas são as guardiães da terra e detentoras de conhecimentos tradicionalmente. Os povos do Cerrado vivem da agricultura de subsistência, também trabalham com extrativismo natural em sua grande maioria de forma associativa e uso comum das áreas.
5. Considerações Finais
O relatório final do Diagnóstico sobre Racismo Ambiental em territórios quilombolas nos biomas Mata Atlântica, Cerrado e Caatinga é parte do processo que prevê a sistematização de informações relacionadas com o desmonte das políticas públicas e a não priorização da resolução dos conflitos institucionalizados nos territórios quilombolas do país. Considera-se racismo ambiental o desconhecimento das comunidades quilombolas na implantação de grandes empreendimentos, nos quais a consulta livre prévia e informada é totalmente desconsiderada.
Nesse sentido, além de aprofundar o tema racismo ambiental com foco nos impactos dos grandes projetos em territórios quilombolas, a intervenção política utilizada pelos territórios impactados é fundamental para a garantia dos direitos instituídos.
Nos últimos anos, com a flexibilização das leis e políticas que asseveram a segurança do meio ambiente e a garantia dos territórios, os conflitos aumentaram de forma expressiva, o que significa dizer que o valor do território e a preservação do meio ambiente não é o mesmo que neles encontram os grandes empreendimentos.
A Lei do Licenciamento Ambiental (PL 3.729/2004) é um instrumento jurídico que garante e define a liberação, ou não, da implantação de um empreendimento que vá impactar ou proteger o meio ambiente e os biomas brasileiros. No entanto, novos projetos de flexibilização da lei foram surgindo, no sentido de flexibilizar processos e criar modalidades de aprovação, a exemplo da autodeclaração, ou até mesmo casos de dispensas para o processo de licenciamento, ou seja, não precisam passar pelo processo burocrático instituído.
Com tanta flexibilização, as comunidades quilombolas que estão com o processo de regularização parado sofrem com as ameaças de empresários, fazendeiros, multinacionais e internacionais, e até mesmo do Estado brasileiro, que a todo instante viola o direito das comunidades.
O racismo ambiental é demonstrado de forma consciente nas práticas e ações que vêm sendo desenvolvidas a partir da construção da política de desenvolvimento, dado que tais políticas não incluem as comunidades quilombolas e qualquer outro povo tradicional. Assim, o Diagnóstico sobre Racismo Ambiental demonstra a violação dos direitos de forma institucionalizada. Portanto, ao identificar 134 territórios quilombolas em áreas de conflitos, concluímos que esse número pode aumentar a partir do despertar das comunidades para as relações estabelecidas entre os interesses instituídos.
Por fim, entendemos que todo conflito estabelecido nos territórios quilombolas é uma tentativa de apagar a história de uma população que luta pela garantia da identidade social, cultural e pela subsistência, a partir da sustentabilidade econômica e a preservação do meio ambiente, guardiãs da história do povo brasileiro.
5. Referências
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- TERRA DE DIREITOS. Dia do meio ambiente:conheça 5 casos que revelam o racismo ambiental. https://terradedireitos.org.br/noticias/noticias/dia-do-meio-ambiente-conheca-5-casos-que-revelam-o-racismo-ambiental/23383. Acesso em: 8 jun. 2021.